O facto de os consumidores se verem obrigados a pagar elevadas percentagens de impostos nos vários produtos que consomem é um fenómeno bem conhecido em Portugal. Os exemplos mais paradigmáticos do peso da carga fiscal no consumo serão os automóveis, os combustíveis, e eletricidade e a água. No ano de 2019, a DECO recebeu 11 056 reclamações relativas aos setores da energia e da água.
As faturas de água e saneamento que nos chegam mensalmente refletem esta realidade. Se olharmos para a fatura que os SMAS de Mafra nos enviam mensalmente encontramos, a título de exemplo, a seguinte composição do preço final:
Relativamente à cobrança de IVA, a entidade responsável em Portugal pela cobrança de impostos, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) entende que as empresas locais (municipais) responsáveis pelo saneamento de águas residuais e pela gestão de resíduos urbanos, serviços cobrados com a fatura da água, não podem cobrar IVA aos consumidores. Já a Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos (ERSAR), o regulador do setor, entende que deve ser feita a cobrança. Mais uma originalidade da gestão pública portuguesa, onde as entidades responsáveis por um setor, demasiadas vezes, não se entendem, desentendimentos, que no fim da linha acabam por lesar os consumidores.
Há, portanto, empresas municipais que cobram IVA, casos da Águas do Porto, Águas de Coimbra ou Águas de Gaia, enquanto outras, por indicação da AT, já não o fazem, como no caso da Empresa Intermunicipal de Ambiente do Pinhal Interior (APIN), que integra os concelhos de Alvaiázere, Ansião, Castanheira de Pera, Figueiró dos Vinhos, Góis, Lousã, Pampilhosa da Serra, Pedrógão Grande, Penacova, Penela e Vila Nova de Poiares.
Finalmente, temos de forma taxativa, por parte da Autoridade Tributária, a certeza de que podemos não cobrar IVA [imposto sobre o valor acrescentado]. Já há mais de uma semana que estamos a faturar sem IVA”, disse à agência Lusa o diretor da APIN, Rui Simões. Segundo este responsável, a empresa intermunicipal está agora numa fase “de apurar os valores de IVA cobrados em 2020 referentes a estes serviços e proceder à sua devolução [Horizonte]
A AT defende que “estão isentas de IVA caso estes serviços sejam prestados por serviços municipais ou municipalizados”, como no caso de Mafra desde que o SMAS assumiram este serviço.
Em fevereiro do ano passado em declarações ao Jornal de Negócios, a AT informava que iria clarificar “assertivamente as regras tributáveis [nesta matéria], assegurando o restabelecimento da igualdade de tratamento dos destinatários dos serviços de saneamento de águas residuais e de recolha de resíduos urbanos”.
Parece, pois, pacifico, depois da tomada de posição da AT, que no caso dos serviços de saneamento de águas residuais e de recolha de resíduos, as tarifas fixa e variável estão isentas de IVA, quando a gestão é feita por serviços municipais ou municipalizados, como no caso de Mafra.
O Jornal de Mafra sabe que a Câmara de Mafra tem recebido queixas de munícipes, que defendem a posição AT, pretendendo ver-se ressarcidos do pagamento indevido de IVA no saneamento, desde a entrada em atividade dos SMAS de Mafra.
Contactada pelo Jornal de Mafra, a câmara afirma “que os Serviços Municipalizados de Água e Saneamento de Mafra (SMAS de Mafra) têm vindo a cobrar IVA no caso em apreço, por considerar ser essa a sua obrigação legal e na continuidade da prática seguida pela concessionária, de quem recebeu todos os direitos e obrigações no âmbito do processo de reversão da concessão, procedendo depois à sua entrega à Autoridade Tributária e Aduaneira, sem nenhum reparo, de resto, por parte desta“.
No entanto, a Câmara de Mafra reconhece a existência de dúvidas nesta matéria, razão pela qual “os SMAS de Mafra solicitaram à Autoridade Tributária e Aduaneira um Parecer circunstanciado, estando a aguardar resposta“.
A APIN já conhecerá a posição da Autoridade Tributária a propósito deste assunto e já tomou as medidas que julgou necessárias para não prejudicar mais os consumidores e já decidiu ressarci-los pela cobrança abusiva de IVA que efetuava.
A Autoridade Tributária emitiu uma Informação Vinculativa a este propósito, o Processo: nº 11665, por despacho de 2017-07-26, da Diretora de Serviços do IVA, em cujo ponto 17, sob a designação “Enquadramento jurídico-tributário, para efeitos do IVA”, se pode ler:
17. No que concerne às operações, descritas pela Requerente, que sejam efetuadas por serviços municipais ou municipalizados, cumpre referir que:
a. Serviços de saneamento de águas residuais, de remoção de lixos e de limpeza das vias públicas – beneficiam da exclusão do âmbito de aplicação do imposto, nos termos do n.º 2 do art.º 2.º do CIVA (vide o ponto 11 do Capítulo II, do Ofício-Circulado n.º 30177, de 2015-12-10).
Finalmente, em artigo de opinião publicado no Jornal de Negócios a 25 março de 2022, o insuspeito Diogo Feio, ex-deputado do PP e sócio do departamento Fiscal da sociedade de advogados, Sérvulo, escreveu: “Um dos serviços que está sujeito a este imposto [IVA] é o do abastecimento e saneamento de água. […] também neste caso concreto o maior ou menor pagamento na fatura não é indiferente. Por essa razão, a inclusão, ou não de IVA, na mesma não é de todo neutra. […] De facto, e de acordo com a posição que tem sido assumida pela Autoridade Tributária, a inclusão ou não – desse montante no que se refere especificamente ao saneamento de águas residuais – depende de quem seja o prestador do serviço. No caso de ser uma autarquia local ou uma empresa municipal essa inclusão não deverá suceder; já se, na sequência de uma concessão, for uma empresa privada aplica-se a taxa de 6.%“.
Já a Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos (ERSAR), a quem o Jornal de Mafra também pediu esclarecimentos a propósito da taxação em IVA dos serviços de saneamento de águas residuais e de recolha de resíduos, embora nos tenha contactado telefonicamente para conhecer o “contexto” do nosso pedido de esclarecimentos acabou, no entanto, por não prestar nenhuns esclarecimentos.
[Foto de capa : ©Alfamec]